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A química é uma ciência fascinante, mas às vezes ela encontra limites – ou melhor, fronteiras que ainda não conseguimos atravessar. Um dos maiores mistérios que desafiam nossa compreensão até hoje é a matéria escura, uma entidade invisível que compõe boa parte do Universo, mas cuja natureza química permanece um completo enigma.
Para entender esse mistério, precisamos voltar no tempo, até os primeiros instantes após o Big Bang. Quando o Universo tinha apenas 375 mil anos, a radiação cósmica de fundo um brilho fraco que ainda hoje permeia o cosmos começou a se espalhar, carregando informações valiosas sobre os primórdios do cosmos.
Foi nesse período que surgiram os primeiros elementos leves: hidrogênio (H), deutério (²H), hélio (³He e ⁴He) e lítio (⁷Li). Eles foram formados na chamada nucleossíntese primordial, uma sequência de reações nucleares ocorrida nos primeiros minutos do Universo.
Esses elementos formam o que chamamos de matéria bariônica, ou seja, a matéria “comum”, composta por prótons, nêutrons e elétrons, que forma planetas, estrelas, gases… e até nós mesmos!
Mas aqui surge o primeiro grande mistério: quando os cientistas calculam a quantidade de matéria bariônica a partir das evidências do Universo primitivo, ela representa apenas 5% do conteúdo total do cosmos. E o resto?
As observações astronômicas revelam algo intrigante. Por exemplo, na galáxia espiral NGC 3198, as estrelas orbitam o centro da galáxia em velocidades que não diminuem com a distância – algo que não faz sentido se considerarmos apenas a matéria visível.
Outro exemplo é o famoso Bullet Cluster (ou Enxame de Bala), onde colisões entre grandes volumes de plasma ionizado foram detectadas por telescópios de raios X. Mas ao analisar a distribuição de massa pelo efeito de lente gravitacional, descobriu-se que a maior parte da massa não está onde o gás visível está – ela parece estar em outro lugar, invisível: a tal da matéria escura.
A matéria escura não apenas influencia a gravidade, ela pode ter efeitos diretos sobre a química do Universo. Por exemplo, sua presença pode modificar o comportamento de nuvens moleculares interestelares, onde se formam estrelas e moléculas essenciais como H₂ (hidrogênio molecular), CO (monóxido de carbono), NH₃ (amônia) e muitas outras substâncias que sustentam a complexidade química das galáxias.
Diversas partículas hipotéticas têm sido propostas para explicar a matéria escura. Entre elas estão:
Para tentar detectar essas partículas, os cientistas utilizam detectores criogênicos ultrassensíveis, que empregam materiais como germânio (Ge), xenônio (Xe) ou telúrio (Te). Eles buscam minúsculas liberações de energia causadas pelo impacto de uma partícula de matéria escura com um núcleo atômico.
A matéria escura também pode ser classificada de acordo com sua velocidade no início do Universo:
No entanto, há um problema: as simulações com matéria escura fria preveem uma quantidade de galáxias satélites maior do que a observada. Esse é o chamado “desafio dos satélites perdidos”.
Isso nos leva a uma dúvida intrigante: será que existem partículas que não interagem com as forças químicas convencionais e, portanto, não formam átomos e moléculas no sentido clássico? Se sim, isso desafia os próprios limites da química como a conhecemos.
Alguns físicos sugerem que a matéria escura e a energia escura, uma entidade misteriosa que compõe cerca de 70% do Universo, poderiam ser manifestações de um mesmo campo fundamental ainda não identificado. Outros propõem modificar as próprias leis da gravidade, com teorias como a MOND (Modified Newtonian Dynamics) ou modelos de gravitação modificada.
Apesar de todo o progresso científico, a composição química da matéria escura continua sendo um dos maiores enigmas da ciência moderna. Resolver essa questão pode não apenas revolucionar a física de partículas, mas também expandir os horizontes da química fundamental, abrindo caminho para o estudo de formas exóticas de matéria que hoje permanecem invisíveis e talvez inimagináveis.
A busca pela matéria escura é mais do que um desafio científico: é uma jornada para entender do que somos feitos e para descobrir que o Universo é ainda mais estranho e surpreendente do que podemos imaginar.
Assessor do ADM/Financeiro 2025